Boogaloo Riot- Episódio 1

O Fernando Pessoa escreve: “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.”O Pat the Bunny canta: “I fall asleep smoking/ So I wake up on fire/ Because that might keep me/ Out of bed for a while.”

Abro esta coluna com um disco que conquistou um lugar na minha região subcutânea. Live the Dream, o álbum de estreia dos Ramshackle Glory, saiu em 2011. É descrito pela banda como “Punk with all the wrong instruments from Tucson, AZ.”.

Não sei se a poesia é um instrumento típico do punk, mas é aquele que mais relevante é aqui.E não são poucos os instrumentos que aqui ouvimos: vão das teclas, guitarras, baixo e bateria com violência e rapidez e uma abordagem 'art-punk' que roça uma banda como os Crass a banjos, concertinas, acordeão e até uma secção de sopros. Pat, o vocalista e letrista canta com uma voz que está longe de estar afinada. Aliás, não faz sentido colocar essa questão, porque a voz aqui não é um instrumento melódico.As vozes vão desde sussurros até aos berros mais profundos.Mas a razão pela qual decidi escrever com tinta permanente o título deste disco na pele foi a poesia que aqui se canta. Pat, baseando-se na sua própria história de abuso de drogas, toca temas tão distintos como a industria musical, a cena DIY nos EUA, filosofia de esquerda e a profundidade das relações humanas.

A First Song, uma cantiga nostálgica e alegra, segue-se More About Alcoholism, uma canção delirante, com uma batida que soa a uma luta de boxe travada por dois robots feitos de sucata, onde Pat berra “Who needs brakes when it's all downhill from here?”, claramente uma máxima para a vida.

From Here to Utopia é uma composição quase orquestral, onde o anarquismo moderno se mistura com discos de Minor Treath e injeções de heroína,  e em Vampires Are Pousers, uma secção de sopros junta-se ao momento mais melódico do disco.Bitter Old Man é uma canção sobre desespero, mas tão bem-disposta que o coro que canta “I always wanted to die young” nos deixa de sorriso na boca..

Este disco tem o potencial de se tornar parte da vossa vida- como uma pulseira que usam duas vezes por ano mas que sabem sempre onde está porque vos foi oferecida pelo vosso primeiro amor.Mas acima de tudo, funciona aqui como analogia para o que quero que seja o conteúdo desta coluna: vasto na temática e nas influências mas ligado por uma abordagem de irreverência.Esperem, portanto, discos muito diferentes a ser falados por aqui, mas de todos eles podem esperar um bocadinho de revolução. E logicamente, um bocadinho de festa.