Boogaloo Riot- Episódio 7 (Especial Capitão Fausto)

No início, todas as gazelas só querem é correr… e é assim que embarcamos com o capitão. 


Sem sequer a chegar a pôr os pés na terra, somos arremessados para uma jornada de folia, de rejúbilo, onde o propósito é relegado para segundo plano, trocado pelo simples ato de viajar. Aqui, a gazela tem uma mínima noção que um dia a corrida passará a passo, mas por enquanto a ânsia de correr domina-a. As explosões não tem cor e os livros não lhe dão razão, e para estes não têm ela tempo. São sim as guitarras, e os ritmos frenéticos que a guiam e que lhe carvam o carreiro por onde acelerar.
Não corre olhando apenas em frente, contudo, como se louca ou desesperada. Vira o pescoço para todas as direções, aponta os chifres a cada qual em desafio, e mira todas as árvores por onde serpenteia. E antes de mudar a rota, considera. Lembra-se dos arrogantes e fingidos que se descalçaram com certa elegância e como deveria ter mantido a distância, junto das promessas que emanavam… Os que o tentam despertar da sua apatia com histórias de embalar e as hipócritas e instáveis promessas… A Teresa que angustiava por atenção e o vazio de quem com ela dançava… o João que seguiu uma convicção que não a sua e acabou de mãos vazias.


Ela sabe dessas encruzilhadas perigosas, traçados por outros com setas ao contrário. Por elas já andou, e muitas vezes teve de bater terreno para voltar ao trilho correto. E mesmo as estradas feitas pela sua própria mão, que as músicas que toca escavam à sua frente, podem levá-la a sítios detestáveis. Não quer ser ela aquela outra, a que fumou e caiu. A que, sem alguém que lhe agarrasse a mão, perdeu a própria expressão.
É assim preciso que ela tenha cuidado a seguir os caminhos alheios… assim como os seus. Afinal, por vezes ambas as direções dão ao abismo. Devem-se unir os caminhos, então, quando e com quem realmente importa. Mas sempre, com a perfeita consciência de que um dia, já cá não estaremos. Ela sabe que, na melhor das possibilidades, o fim estará sempre garantido. Por isso aceita-o. Depois de arder a sua casa, deixa os outros a dançar e segue junto da chuva que o molhou… para cima, para o céu. Cairá ela também um dia, como a que fumou? Certamente, mas isso nunca pode ser razão para ficar no chão. Será isso um erro ou a mais simples parte de crescer? Provavelmente, ambas.
Mas o que importará isso, no fim de contas, quando a gazela se aperceber da verdade sobre a verdade? Quando por fim tiver consciência que a verdade é pessoal e nunca universal? Que a verdade dos outros é feita por pedaços de boatos matinais e que o que ela considerava real morreu com a noite e que agora apenas pertence a si? Estas bolhas em que cada um se enfia e que nos impedem de partilhar opiniões, partilhar verdades. Estas verdades, corruptas, incompletas, sem o toque da vida alheia, acabam por perder assim qual toda a veracidade. Tanto podem ser verdades como podem ser mentiras. A verdade torna-se uma coisa qualquer, diferente para cada qual. 


Perante isto, conclui a gazela, o mundo tem de crescer. E é por isso que urge, por vezes, ser-se raposa também. A indecente, que vê a verdade e falas das parvoíces disfarçadas de sensatas. A que conhece o jogo mas nele não entra, que ouve e evolui. Tem de estar atenta e afrouxar um pouco o passo, mas sem nunca deixar de correr. Apercebe-se que, para além do próprio mundo ainda ter de crescer, também ela não tem idade ainda para saber o que saber. Tanto ela como o mundo têm de crescer, por isso não chora ao marchar mais devagar. Deve ela correr ao lado do mundo, crescer com ele, fazê-lo crescer… e vice-versa.
E como evitar um espantoso sentimento de solidão, de desenquadramento? De completa insegurança num mundo tão ou mais instável que ele mesmo…? A raposa é matreira e sabe que também esse mundo, onde foi largada num dia qualquer, é ele mesmo uma verdade que não lhe pertence. Esse pertence a Deus, que sabe o que fez. Não pertence a ninguém ou a pertence a um outro alguém que não é ele. Por isso, fica-se pela sua própria verdade, cheia de boatos falsos, que para ele nunca o serão. Não deveria ser, mas é assim que as coisas são. Aquela verdade, a sua verdade, ninguém a tira.
Por isso, prefere ela ir ver o Gerês, na sua bela simplicidade. Prefere dançar na sala de estar, antes que um dia já lá não esteja. Prefere lavar a sua própria roupa suja em casa e depois juntar todos na floresta, em busca da solução para combater esta alienação, tão certa como bela. 


Afinal, não há bem-estar enquanto não há festa.