10 Sep
10Sep

Alex Couto


Há qualquer coisa de real, de vivido, na música de Genes. Podemos encontrar isso na forma como rima (o flow varia pouco, mas é muito próprio), nas temáticas sobre a qual escreve ou até nas palavras escolhidas ao longo destes versos. É um disco que só podia ser possível hoje em dia. Independentemente das virtudes e defeitos deste Pessoas, esta é uma característica impossível de não saborear.

O projecto está dividido em dois lados. A primeira parte, mais rap, expõe algumas limitações em termos de cadência, a segunda, mais r’n’b, mostra-nos uma voz que não devia ter vergonha em aparecer em mais falsetes que enriquecem as faixas. Os instrumentais oscilam entre o trap gozão (no início) e o r’n’b moderninho – cumprem o seu papel sem assumirem o destaque das faixas. É quando o som de Genes se torna mais melancólico, que o encontramos mais à vontade no seu registo e na sua lírica. A sinceridade é um dos grandes trunfos deste disco.

Afinal, desde o prefácio (que começa com um sketch divertido), ao conteúdo dos temas, ficamos com a sensação que Luís D’Alva Teixeira se inspirou em pessoas e histórias reais. Até reparei que as faixas mais interessantes são aquelas que dão uma noção de narrativa (algo leve, algo solta) ao disco.

Caso disso são temas como Estrangeiras (onde fala sobre duas alemãs que lhe deram algo que não estava à espera), Pessoinhas (onde os haters são diminuídos a haters) ou até Oferecidas (onde fala sobre um amor falhado). Aqui as letras assumem este papel de confissão e ganham um impacto que é aumentado pela verdade. Estes versos servem de exemplo: “Sobre ti já mandei mil versos para o lixo / O gajo tinha o mesmo nome que eu, Luís / Nunca vou encontrar uma dama no Montijo / Nunca vou encontrar uma dama do meu nicho.

Com referências a editoras contemporâneas, à vida de Margem Sul e a um universo lírico em que o presente é muito mais importante que qualquer tema intelectualizado, este projecto pode não ter a maior das coerências sónicas, beats milionários ou um grande arsenal técnico em termos de rap, mas sabe bem, sabe ao nosso tempo.

A masterização, que me soa menos esclarecida do que podia ser, ajuda ao clima lo-fi que se vive no disco, à ideia de um projecto que nasce por ímpeto de uma vontade artística mais forte do que a possibilidade de a silenciar. Um tom como este é essencial num músico, sobretudo nos dias que correm.

Artigo originalmente escrito em Comunidade Cultura e Arte em 21/06/17


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