Ao 5º disco, Maria Reis é finalmente e assumidamente a trintona que desejava ser: uma artista que quase tudo faz para viver exclusivamente da música, uma pertigada autora dissidente e fascinada por escrita fácil, sem pudor... Destemida e sempre muito rockeira, mesmo que várias vezes apadroada pelos likes de autoras também desdentadas como Patii Smith, daquelas que fumam cigarros e escrevem sobre sexo e rock n roll. Repte várias vezes, "Não gosto de nada, quero ser infeliz" como se soubesse de facto o elixir para escrever da forma que o faz. Em 10 anos de carreira, as guitarras continuam assombradamente rock punk, como no solo de "Estagnação" que é também o seu slogan maior, e ao mesmo, o fascínio por descair toda a atenção nos seus interesses românticos como autenticamente a sua maior bandeira vermelha. "Não me deixes"!O ponto de interesse na sua música é a forma como as guitarras de Maria soam sempre a algo tirado de um filme noir dos anos 60, como em "Fado do Salineiro" onde nós ouvimos a poesia de Maria (...) "Pé Descalço, amanhecer no cristal", e sabemos que estamos na presença dela, Maria. é ela! essa artista de cabaret, de destaque e os holofotes estão em cima dela. É ela que as pessoas escutam em silêncio no meio da rua, no meio dos pesadelos... É a voz dela que ecoa no meio do ruído suburbano. Mesmo que "Suspiro" seja o seu trabalho mais descosido, ou seja, naquilo que é a sua música (uma panela de água a ferver), Maria põe os condimentos de rock indie, a sua descaída voz que especula o fado e activismação dos protestos e dos feminismos e dos direitos humanos e de tudo o resto, e descose tudo num prato deveras... Insatisfeito... "30", sugere isso. O desencanto pelo crime que é viver de fazer música."Holofote" confirma. "Só gostava de ser a gaja que eu achava que ia ser (...) se eu me atirasse da ponte, pra onde é que olhava toda a gente?" Como se Maria soubesse que todos os caminhos da união dão quase sempre ao desespero das nossas ideias e sonhos não irem ao encontro das de toda a gente e que para fazer mesmo a diferença, eventualmente tem que haver algum tipo de ou afastamento para executar e surpreender ou haver um encontrar de almas recheadas da mesma ilusão de querer mudar o mundo. Aí, surgem verdadeiros picos de Uptown Rock, Big Building Rock como em "Pico", onde Maria, depois de tal ponderação e reflexo, já sabe. É a sua voz que importa, é aquilo que a cidade quer. Lena D'Água ecoa entre as fitas, B Fachada entre os acordes... Maria Reis é a voz da nostalgia pop. São por vezes pequenas canções como "Pico" que fazem a diferença. "T-shirt" traz as odes punk pop que já tínhamos referido com a sua chique-esperteza lírica. Vamos então às novas. Maria aprende agora a ser mais sofisticada em "RIP", com pianos vermelhos e notas blindadas de cheiro, com um fantoche de sopro a definhar o sentimento de se escrever sobre, bem, a palavra que começa por M. Morte. Depois, em "Obcessão" Maria é a artista simples que deixa-se ser a si mesma, deixa as suas letras falarem mais alto e as suas dúvidas entoarem entre um e outro high-pitch. "Obcessão" não deixa a rockeira que há em si morrer e termina com "Coisas do Passado", que é já o típico cântico-protesto que faz de Maria uma, por vezes, grande escritora de intervenção. Esta tem um toque semi-formal, muito DEVO-esque, eletrónico e tem aquele toque de geeK-rock à cromos da fetra. "Suspiro" é contudo cada vez mais uma ideia datada de que infelizmente as coisas vão mudar bruscamente, se é que já não estão a mudar. Ser um músico profissional já não é de todo o mesmo gosto, é agora uma insatisfatória realidade que nos remete ao facto que ser-se profissional é vender e saber fazê-lo com graça, o resto é macaquices. Mas se há ainda algum conforto neste máxima, é saber que artistas como Maria Reis não estão à procura de um som comum apenas e só para poder fazê-lo (vender) com mais facilidade, e a cada trabalho desta particular autora, uma esperança de que ainda há artistas verdadeiramente únicos capazes de escrever o mundo de uma forma atípica, inusual e memorável. Se "Suspiro" não é o melhor trabalho de Maria Reis, é porque ainda falta essa fantasia de demonstrarmos querer ser essa gaja e esse gajo que achávamos que íamos ser, mesmo que esta já o seja.
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