Catarina Soares
“Marrow”, o terceiro disco dos You Can’t Win, Charlie Brown, é fruto de um amadurecimento das antecedentes relíquias “Chromatic” e “Diffraction/Refraction”. Se outrora as melodias oscilavam entre um pop barroco eletrónico que nos fazia pender para a introspeção, em “Marrow” encontramos uma ligeira alteração a essa linha sonora: como se pudéssemos testemunhar os Fleet Floxes a descartar os instrumentos acústicos e a desfrutar de umas trips de ácido. O resultado é um disco hipnoticamente groovy, espacial e reconfortante que tem o poder de colocar o ouvinte como protagonista de um videojogo. Não me refiro a um jogo qualquer, mas um RPG cuja narrativa passa pela desinteressante rotina típica do dia-a-dia de um ser humano. Neste jogo rotineiro, as faixas de “Marrow” assumem poderes especiais no exercício individual da dissecação das emoções humanas. Até porque ao escutá-lo, tanto pela vertente lírica como instrumental, o trabalho de auto-compreensão das emoções é facilitado. As referências à efemeridade do tempo são inúmeras. As letras e as harmonias vocais multiplicadas e consistentes consagram este disco como o mais impactante trabalho do sexteto lisboeta.
O primeiro single, “Above The Wall”, já conta com um teledisco e funciona como um trailer da panóplia de surpresas que são desvendadas ao longo do álbum. É fresco, retro e possui uma eletricidade dance-rock que evoca os LCD Soundsystem. “Linger On” começa com um riff à maneira dos The Strokes modo old school e ganha um ritmo catchy à medida que a canção se desenvolve, o que antecede a sublime terceira faixa do disco, “Pro Procrastinator”. Este tema faz o disco (por mais bom que já seja) e devia ser oficializado como banda sonora dos momentos em que evitamos responsabilidades ou daqueles em que exercemos a arte de fazer vários nadas. Começa bluesy, arranca até ao espaço com um psicodelismo funky e culmina numa perfeição de um pop dreamy. “Mute”, o único tema maioritariamente acústico, é uma balada serena e introspetiva cuja letra remete para os arrependimentos consequentes de uma relação falhada. “If I Know You, Like You Know I Do” e “Joined by the Head” passam um pouco despercebidas no alinhamento mas ambas não deixam de conceder uns minutos aprazíveis ao ouvido, nos quais a guitarra elétrica seduz o sintetizador. “In The Light There’s no Sun” desperta com uma energia outonal e sofre uma metamorfose capaz de induzir um orgasmo sonoro quando transita para um instrumental festivo (muito à Vampire Weekend, diga-se). Impossível resistir à tentação de explorar esta faixa em loop. “Frida” é misteriosa, romântica e mistura o psicadelismo dos 60’s com o primor de um violino que acompanha os vocais. “Bones” vem fechar o disco de uma maneira calorosa e inesquecível, com um som alucinógeno de um órgão envolto na eletrónica dançável com a qual nos educaram.
As expetativas foram superadas naquele que promete ser um dos melhores álbuns nacionais que 2016 deu à luz. Diz-se que Deus, no sétimo dia, já havia terminado a obra que determinara e descansou de todo o trabalho que havia realizado. É certo que é no sétimo dia de outubro que “Marrow” chega às lojas com a promessa de se tornar o melhor presente físico para o descanso da alma do comum mortal. Sem esquecer que a festa de lançamento terá lugar no LUX, a 13 de outubro. Quem comprar o disco na Fnac tem direito ao bilhete dourado que permite experienciar a comemoração daquele que é o mais dançável disco dos YCWCB até à data.
Alinhamento:
1 – Above The Wall
2 – Linger On
3 – Pro Procrastinator
4 – Mute
5 – If I Know You, Like You Know I Do
6 – In The Light There Is No Sun
7 – Joined By The Head
8 – Frida (La Blonde)
9 – Bones