08 Jun
08Jun

     Se não está em vídeo, não aconteceu! Apesar de Joana não se lembrar de ela mesma a cantar em casa, quando era criança, há gravações em VHS de Joana a cantar para cá e para lá em casa, algo que recebeu do pai, um viciado em música “que me deu a conhecer o Jazz”, como Joana partilha connosco. Isto é algo que veio como algo não tão óbvio. Pois o pai de Joana, que ouviu muito Frank Sinatra, Norah Jones, ou seja, o jazz vocal, algo que, como Joana admite, “não conseguia perceber, não conseguia perceber o swing, na altura—não que consiga compreender hoje”, diz, partilhando um riso—e não era o género que gostava de cantar, quando era pequena. 

     Durante as viagens ao dentista, em Peso de Régua, a terra natal de Joana, para a Póvoa de Varzim, Joana lembra-se de ir a ouvir um álbum de Frank Sinatra e das “histórias que ele cantava, os arranjos maravilhosos de Fly Me to the Moon”, esses “começaram a fascinar-me”, diz Joana, e toda aquela faísca que a levou a interessar-se pela música Jazz e pelos arranjos de Big Band. Mais tarde, começou a ouvir Diana Krall e como esta combinava a voz do piano com a própria—algo que teria sido, também, um dos sonhos de criança de Joana, isto é, tocar piano.

     Falando de sonhos e de instrumentos, Joana também toca violino! 

     Começou como um jogo de invejas, como partilha Joana, “a minha irmã estava a aprender a tocar violino, também, e eu tinha inveja, ‘também quero’”. 

     O ponto de partida da carreira de Joana na música fora um golpe de sorte. Durante o ano de 2012: a crise económica em Portugal. Com a necessidade de se mudar para Coimbra, Joana deu com o curso dos sonhos, um curso de música Jazz. Daí, Joana aprendeu que o “Jazz não é apenas jazz vocal, Diana Krall e Frank Sinatra, mas era, também, Charlie Parker, John Coltrane, Hank Mobley e muitos saxofonistas e muitos trios de piano (…). Tive muitas oportunidades, lá, para conhecer e para tocar o pessoal”, diz. Em Coimbra, Joana teve muitas oportunidades de conhecer e de tocar com muita gente e, no fim, apaixonou-se “ainda mais pelo Jazz, se é que era possível”. 

     Um outro mundo entrara no mundo de Joana. Daí, começou “a ouvir muita Bossa Nova, algo que se torna parte de mim, durante o curso, mas não sei bem porquê. Não era algo que o meu pai ouvisse, mas é algo que me fascina”, partilha Joana. De Coimbra, passou para a Escola Superior de Música de Lisboa, onde terminou a licenciatura, conheceu muitas pessoas, “aquelas estrelas do jazz que sentia inalcançáveis, de repente, eram meus professores e amigos, pessoas que me apoiaram imenso”, conta. 

     “Viciada em Stardards de Jazz, tradição”, mas, também, viciada em “Groove, música contemporânea”.

      Joana começou a trabalhar no quarteto dela, mas, infelizmente, a pandemia de covid-19 arruinou quase todos os planos a quase toda a gente. “Sinto que houve pessoas super produtivas, durante a pandemia, mas eu, pelo contrário, não fui”, confessa Joana, acrescentando, “não me sentia motivada para compor”.


      Preparando para entrar no mundo da composição de Joana. 


     Uma metodologia desorganizadamente organizada que vem de uma relação séria com o piano, a melhor amizade—com quem ela fala telepaticamente. “Toco um acorde, canto e a melodia vem logo de seguida—geralmente, as letras vêm automaticamente, também”, Joana partilha connosco, “letras e melodia, já combinadas”. Apenas tocando uma simples nota, Joana ouve o acorde completo. Uma abordagem em que Joana ouve, primeiro, e, depois, senta-se ao piano e tenta encontrar o que ouvira na cabeça. 


     Conseguimos perceber o porquê de sentir o processo como não seguindo uma ordem específica. Como nos disse, “não sou boa a escrever letras, (…) gosto de tocar e de pensar em harmonia, e penso na combinação rítmica de harmonia e melodia, mais do que pensar em letras per se. As letras funcionam como um espelho que reflecte o que sinto, no momento em que estou a criar a canção”, diz-nos Joana. 

     E a privacidade está, também, em jogo, pois expor as letras pode cair em julgamento, por parte dos pares, sendo mais fácil ler o significado de palavras escritas do que sons. Durante esta fase, Joana tenta não dar muita atenção às letras, mas mais à música com todo o Groove

     No que toca às músicas de outras pessoas, Joana sente-se livre para interpretar uma personagem. Sente-se livre de julgamento e tenta “ver como missão a de transmitir os sentimentos do autor”, quando sabe existir um significado nos temas, algo trágico. Quando Joana não está tão dentro da história por trás da peça, tenta reinterpretar à vontade e sentir o que está a ser dito. “Gosto de me sentir dramática, procuro ser sempre assim. Da mesma forma como vejo actores e cantores (…), nós cantoras devemos ser dramáticas”, diz Joana. Como nos diz, isso é o que Joana sente, quando está a citar o texto de alguém, “tento ser dramática quanto àquilo que, por vezes, não vivi, mas imagino que vivi”.


      Construindo do início: usando a imaginação.      


     Joana foca-se não em expressar o que sente, mas em compor. Apesar de Joana estar a passar por uma fase em que “não estou tão preocupada com a composição, estou a curtir imenso tocar a música dos outros, cantar standards, boleros, bossa nova, Groove, pop, rock, funk”, como partilha, divertir-se durante o período pós-pandemia, em que tem muitos concertos, no qual há muito espaço para tocar covers. Quando compõe, Joana sente-se como qualquer estudante na obrigação de compor para graduar, “e acabas por nem te questionar tanto. Acabei por compor sem questionar muito o porquê. Ou seja, no meu caso, não foi algo muito intelectual. Sinto-me assim, vou compor assim”, diz-nos, completando, “estou ali o meu estudo, não me apetece estudar algo muito metódico. Olha, está a sair isto, hoje”. Seria algo que, no dia seguinte, “teria de me obrigar a acabar, se não acabei no dia anterior”, diz-nos Joana. “Mas esse foi o meu processo, num certo período, porque nem todos os temas foram [compostos] da mesma maneira”. Houve músicas compostas durante fases de relações complicadas, “aquele cliché”, também compôs uma música para o avô, “esse tipo de coisas em que a letra está mesmo a ser pensada nisso”, mas há outras que são muito mais imaginativas, “estados de espírito que tu imaginas que sentes”. 


     Será que a música acorda com a Joana às 8 da manhã?           

     Já aconteceu acordar ainda mais cedo, como Joana nos disse, por exemplo, quando houve um tempo em que Joana tinha concertos ao pequeno-almoço, “levantava-me às 5 da manhã e, às 7 da manhã, estava a tocar”. Nesse sentido, Joana forçava mesmo a musicalidade a acordar com ela—lembra-se, até, de quando estava a estudar para os exames de candidatura para a Escola Superior de Música de Lisboa, tinha, como alarme, uma gravação motivacional. 


     Quem acorda, tem de ir dormir, eventualmente. 


     À nossa pergunta sobre se Joana ia dormir com uma canção na cabeça por tocar, “definitivamente! Quando o cansaço é muito, consigo apenas pensar em adiar. Faço isto amanhã”, mas a música não larga a Joana, pois ela sonha, muitas vezes, com coisas que ainda tem para fazer, “por exemplo, lembro-me de aprender II-V-I e de estar no sonho. Estava mesmo a dormir?” Há vezes em que Joana estuda nos sonhos. Nunca sabe quando está num sono profundo ou não. Esperemos que consiga distinguir sonho de realidade! 

     Música, mostra o caminho! 

     Joana sente que a música é algo que a faz querer acordar, “a música guia-me”, diz-nos, “dá-me motivação para viver”. Não apenas isso, também paga-lhe as contas e fá-la feliz. Joana ama a sensação de borboletas no estômago, quando se aproxima a hora do concerto e aquele sentimento de quando o concerto termina, “adoro aquele nervosinho”.

      No que toca a situações menos agradáveis das quais a música salvou Joana, partilha uma história, durante a crise económica em que mudar-se para Coimbra foi a salvação. Soa cliché, ainda, ouvir que a música salvou alguém? Joana sente-se muito feliz por ter a possibilidade de fazer o que gosta de fazer. Mesmo quando ensina música a “pessoas maravilhosas, que me trazem coisas muito boas. (…) Por vezes, pedem-me para lhes ensinar uma música e sinto-me tão bem, porque estou a aprender a música, também, e ainda não olhei para aquela partitura e, de repente, estou a estudar, a tocar à primeira vista. É gratificante”. 

     Situações e pessoas desagradáveis. 

     A vida é uma estrada com muitos buracos e há sempre situações desconfortáveis. Vêm e vão. No entanto, Joana teve sempre a certeza daquilo que queria realmente, “seja o que for que as pessoas digam, não vai mudar nada”. Mesmo quando Joana tem daqueles dias em que não lhe apetece subir ao palco e cantar para uma multidão, “esses dias em que não se quer pessoas a olhar para a nossa cara”; e, para enfrentar essa situação, Joana encontrou a melhor estratégia: esconder-se atrás do piano. “Quando estou a tocar só piano, sinto-me escondida, se estou a tocar piano e a cantar, sinto que tenho outro tipo de privacidade, ao sentir-me quase instrumentista”, Joana partilha connosco. 

     Por vezes, nos momentos em que Joana se sente mais ansiosa, em que o repertório exige mais dela, Joana sente medo e mete-se num sítio isolado, toca temas específicos, dizendo para si mesma “isto é o que gostas de fazer, não importa se és assim, se és assado. Isto é o que tu queres!” As inseguranças “nunca são o suficiente para deixar de saber o que quero”. Também há momentos em que Joana se farta de se ouvir a ela mesma, “quando passo horas a cantar”; o que a leva ao filme da Pixar, Ratatui, em que a personagem diz “qualquer pessoa consegue cozinhar, mas isso não significa que cozinhe bem”, algo que tomou para si mesma. Ela adora cantar tanto e pensa para ela mesma, “qualquer pessoa consegue cantar, mas isso não significa que cante bem”. 

     Joana inspira-se com as próprias fraquezas. “Às vezes, vou tão lá no fundo e fico, ‘preciso de ir lá ao fundo e vou ao fundo’ e ganho mais força ainda para me focar mais, para ter mais método no que tenho de fazer para melhorar”. Para além disso, Joana inspira-se “em pessoas muita boas, que admiro imenso musicalmente”, ganhando inspiração e força para fazer melhor e pensa, no fim, “é isto!” 

     O prazer de partilhar, de tocar e de conhecer novas pessoas, estar em contacto com a multidão, saber que tem o melhor trabalho do mundo, “o meu abismo nunca sussurra nos meus ouvidos ‘põe a música de lado e faz outra coisa’”. 

     Os holofotes!—pressão extra 

     A voz, um instrumento comum, o primeiro de todos, é aquele “que as pessoas ouvem mais; se estás num concerto (…) a cantora é aquela que se destaca”, admite Joana. “Acabamos por ter um papel crucial. Mesmo quando não é a cantora que está fora de tom, para o público, que não sabe a música tão em profundidade, é culpa da cantora não é?” E há sempre essa pressão. Principalmente, como nos diz Joana, requer uma certa etiqueta, um certo comportamento em palco—ela até partilha a crítica que apareceu numa revista portuguesa online de como as mulheres se vestem em palco. Infelizmente, ainda habitamos o conservador Planeta Terra. 

     Estereótipos, malditos estereótipos. 

     Enfrentar a própria família nem sempre é fácil e é muito comum a opinião da família limitar uma pessoa. Joana teve de se libertar daquela frase estereotipada de “ir para Lisboa estudar música? Cantora? Isso é um trabalho, sequer?” Joana partilha o que pensa, pois ainda deve acontecer com muitas outras pessoas, ainda mais com mulheres que seguem o mesmo caminho. Geralmente, os membros de bandas são homens e isso pode intensificar o estereótipo, ver uma mulher entre homens. 

     Por vezes, Joana sente-se como um objecto. Consegue o trabalho por ser mulher. E as pessoas só querem uma mulher, ali. Ainda assim, mantém-se optimista e acredita que o status quo vai mudar. Partilha connosco o quão feliz ficou quando encontrou tantas mulheres músicas a tocar outros instrumentos que não voz. 

     Voltando ao projecto de Joana, devido ao seu percurso, tem andado a trabalhar mais em conteúdo em língua inglesa e em língua espanhola; e, mais tarde, em português do Brasil; mas sem negligenciar o português europeu. 

     Antes de terminar a sessão, Joana gostaria de partilhar algo: “apoiem a cultura e, se lerem este artigo na íntegra”—significa que vos agarrou a atenção, certo?—"venham a um concerto!” O convite está lançado. Vamos encher as salas de espectáculo! 


Texto: Fábio Moniz ________________________________________________________________ Nota de edição: Para seguirem a Joana e todos os seus trabalhos, visitem-na no Instagram: https://www.instagram.com/joanarodriguesmusic/

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.