09 Feb
09Feb

No final dos anos 80, em contramedida e como resposta ao sucesso blitz de bandas londrinas de garagem como Ride ou Slowdive (um pouco antes do boom do estilo shoegaze), havia em Manchester um movimento que ligava o gosto por estruturas pop, hooks viciantes e 60's-baroco com o techno-ácido, o psicadelismo mesmerizante e os synths-druggy que pareciam tomar de assalto toda aquela cidade. Se os The Stone Roses eram uma banda de guitarras com todas essas decorações pop-psicadélicas e garageiras, os seus companheiros Happy Mondays eram muito mais boémios, não menos extravagantes, mas mais dançantes... A música era marcada por loops que quase samplavam os beats aos temas de hip hop dessas eras, muito à semelhança de outros contemporâneos como Primal Scream, e sempre que ouvia-se os refrões destas duas bandas, parecia que estávamos sempre num estádio ou numa arena enorme.


 Não admira que pudessem influenciar bandas como Oasis ou Blur, que pelos 90's já eram referências da música britânica. Mas Manchester, nesta era de late 80's nunca mais foi a mesma, e embora tenham surgido com o passar das décadas algumas bandas com um som espiritualmente interligado com este movimento musical, como os Ghost Dance Collective - que na sua estreia editada em 2018 tiram influências de grupos como The Byrds e ainda ouvimos alguma magnificência com muita atenção esta estreia “Good Time” editada em 2023 pela Fuzz Club, toda essa essência de guitarras fuzz com gosto açucarado e crocante estão lá. Toda uma awareness de arena-rock estão muito bem presentes em temas como o single de apresentação “Star Starter”, que quase leva-nos de volta aquele espírito teen-rock das bandas que escutávamos na MTV nessas eras doiradas.


 Mas apesar das várias referências a estas bandas de culto britânicas, Daiistar parecem seguir o seu próprio som, sem estarem demasiado fixadas no passado, mas sem contudo tirar os olhos e neste caso, os ouvidos deste: “O nosso amor mútuo por guitarras barulhentas, synths-drone e drum beats retumbantes é o que fazem esta banda resultar tão bem”, atira Alex Capistran, o assim por dizer homem do leme deste conjunto norte-americano. Para compreendermos melhor ainda Daiistar, vale a pena recordar, em suma, o mais recente historial norte-americano de bandas noise-pop, não esquecendo os inventores deste absurdo e tão famoso estilo musical, The Velvet Underground, que inclusive o seu vocalista Lou Reed viria a apadrinhar outros grupos influentes como os The Talking Heads. Nos anos 80 é que este género parece ganhar um definitivo respeito em série, fora do underground, muito por culpa dos também nova-iorquinos Sonic Youth, que mostram sempre uma riqueza cultural e artística que transcende a música. Nos anos 90, bandas como Nirvana eram expetadores de bandas como Pixies, ambas igualmente viradas para o noise-rock, e os The Smashing Pumpkins, que diziam-se “rivais” em tom de brincadeira, ajudaram também a consolidar um conceito novo de lo-fi onde artistas como Beck podiam fazer o barulho que quisessem sem serem apelidados de “punk rockers”, enquanto que ao mesmo tempo bandas como Pavement pareciam estar a consolidar esta nova técnica de ruído gratuito. Nos anos 00' com o surgimento do revivalismo do punk, algumas bandas como The Strokes poderiam estar associadas a estes estilos mais alternativos do rock, se bem que bandas como Sleater-Kinney talvez fossem mais seguramente ruidosas. No início dos anos 10' de século XXI, Dum Dum Girls surgiam com um som pop eclético e triturador, e o marido de Dee Dee (a vocalista) também tinha este conjunto chamado Crocodiles, notoriamente conhecidos por serem uma banda de noise-pop.


 Perto de 2013 os Sunflower Bean na sua estreia também tinham algumas influências parecidas a este tópico e mais recentemente, à coisa de uma semana, J Mascis edita o seu quinto disco a solo intitulado “What Do We Do Now”, que confirmam também o vocalista e guitarrista dos Dinossaur Jr. como uma peça vital deste puzzle norte-americano no noise-rock. Daiistar parecem inadvertidamente tranquilos em relação a toda uma tradição de rock n’ roll deste país, não esquecendo que este disco teve na ajuda à produção, a mão de Alex Maas dos Black Angels e James Petrali dos White Denim. É claro que estamos a tirar muitos nomes desta lista por estarmos a enfatizar grupos pop com influências noise, mas se estivermos a por exemplo contar com grupos ruidosos como estes Black Angels (e até, porque não White Denim), Husker Du, Black Flag, e centenas de grupos que até ao hardcore já protagonizam, não sairíamos daqui com 3 páginas. Mas de novo, tudo isso parecem coisas muito subtis para este conjunto norte-americano: “ Para mim, sinto que sou naturalmente atraído para bandas de proto-shoegaze do que para bandas de shoegaze. William Reid dos The Jesus and Mary Chain é uma grande influência na forma como toco, então as guitarras fuzz deste álbum ”Good Time” talvez sejam a razão pela qual somos associados frequentemente ao shoegaze. Eu não me importo”. Mesmo que tapemos o sol da penumbra de bandas shoegaze como My Bloody Valentine, Lush ou Cocteau Twins, conjuntos imprescindíveis na matemática desta equação voadora e ruidosa de guitarras, não podemos no entanto afastarmo-nos muito da raíz desta banda sediada no Texas, e por estes lados temos apenas encontrado algumas bandas tematicamente psicadélicas, mais recentemente os Holy Wave, que até já editaram o seu quinto disco de estúdio “Five of Cups” no mesmo ano que este “Good Time”, que no entanto parece até evocar mais a esses conjuntos terrestres de Manchester do que a propriamente bandas espaciais como os The Flaming Lips ou os Spaceman 3. Até parece que é uma coincidência absurda termo-nos lembrado de mostrar todo este apego por bandas do Texas. Assim podemos e devemos dar um pequeno salto a Austin e procurar as bandas que têm posto no mapa este muito simpático e outrora polémico estado do Texas. Atualmente, Explosions in The Sky parecem ser uma banda que já ouvimos em qualquer lado, sem saber bem onde... Esta banda de indie rock já vai possivelmente no seu 10º álbum de originais, sendo este último editado em 2023 chamado “Moving On”, continuando uma senda de rock ambiental com características atmosféricas e tolerantes camadas de reverb camufladas; Mais notórios, os Spoon que são já máquinas de confeção de arte discográfica, somando já títulos que não só constituem uma importância no underground e no alternativo como também, mais tarde, na ascensão destes - a tal chamada “indie”. - E depois disso, temos uma banda que inclusive parece ser, à semelhança dos Medicine (mas isso é outro assunto para outra ocasião), o tipo de bandas aos quais não damos muito merecido crédito: Butthole Surfers, que eu acho que à semelhança dos Velvet Underground atiraram-se de cabeça ao mainstream com um nome provocativo de banda rock, pouco peculiar para bandas com o eterno desejo de vender música para um público vasto.


 Apesar de tudo, esta parece ser a banda que mais se adequa a este tópico de noise e que inclusive não sendo uma banda imediatamente caótica, guarda em si muitas das pérolas experimentais e avant-garde que inclusive estruturam as bases sólidas para este género. No disco “Locust Abortion Technician”, encontramos muitas técnicas de shoegaze, noise-rock, e free-noise que são expectáveis nos anos 90 para um disco de 1987. Se temos então o proto-shoegaze antes deste ser inventado, então talvez pudéssemos considerar isto early-shoegaze, um pouquito antes de haver jornalistas musicais com a apetência sonora de lhe chamarem o que acabou por ser o termo “shoegaze”. Nesse ano, salvo o erro, possivelmente saira “Heaven’s End” dos Loop, outro disco que podemos considerar early-shoegaze por estar já enquadrado e encaminhado para este. Mas não podemos fugir do Texas nem desta estreia de Daiistar. Faixas como “LMN BB LMN” roubam o espetáculo assim que os primeiros acordes soam e fazem-nos logo viajar de volta para esta era mágica dos 90's.  “O álbum saiu em Setembro do ano passado e esgotou passado uma semana. Alex Maas dos Black Angels fez um trabalho tremendo a produzir e acho mesmo que juntos fizemos algo intemporal. Depois do álbum sair, atirámo-nos a duas tours com os Blac Angels e os Dandy Warhols, seguidos de uma tour com os The Brian Jonestown Massacre em apoio a “Good Time”. Temos sido amigos dos Angels há imenso tempo e somos fãs dos Dandy’s e BJM então sabíamos que ia ser uma tour muito divertida”. 



De facto parece injusto não mencionar bandas como The Dandy Warhols ou Brian Jonestown Massacre. Não vou ser hipócrita e dizer que foram as bandas que mais ouvi, mesmo que Anton Newcombe, agora a residir em Berlim, seja um conhecido amigo de bandas que apreciamos bastante, como os Ducktails. Mas mesmo assim, é intenso ouvir “Good Time” agora e pô-lo ao lado de qualquer outro disco da era Madchester nos anos 80 e 90. “Tracemaker” é logo uma faixa que salta imediatamente à vista, com um ritmo groovie de bateria a fazer lembrar logo temas como “God’s Cop” do álbum de 1990 “Pill’s, Thrill’s and Bellyaches”, que é logo aqui um belo exemplo de como Daiistar, sem se esforçarem muito, acabam por evocar toda uma herança de pop rock britânica, sem claro descurar a sua própria. “Eu estou sempre a ouvir “Honey’s Dead” dos JAMC, Echo Dek ou Screamadelica dos Primal Scream; ”Definitely Maybe” dos Oasis e ”Recurring” dos Spacemen 3.Ultimamente tenho ouvido “Blue Rev” das Alvvays e “Is This It” ou “Rooms on Fire dos The Strokes”. Psicadelismo, Jangle Pop, um pouquito de Shoegaze e claro, o ingrediente secreto, a shimmery de Manchester e temos aqui a receita para um dos discos mais divertidos do ano. Ouvindo uma das faixas-single, pelo menos para nós, “Speed Jesus” realmente mereceu uma resposta sobre a menção do nosso fiél protetor e salvador Jesus Cristo, perdoador de muitos pecados recorrentes e comprendedor máximo da nossa dor provocada por este mundo: “O nome é mais associado ao som da canção do que ao seu significado... Talvez poderá ser uma subconsciente ode aos The Jesus and Mary Chain. A faixa é uma peça abstracta, liricamente falando, é centrada na ideia de uma inabilidade de encontrar amor mesmo num mundo tão densamente populado”. No mundo talvez sim, mas quando escutamos música como esta, o amor parece vir numa forma muito súbtil de instrumentos sincronizadamente harmoniosos. Misti no baixo, Nick na bateria, Derek nas teclas, e Alex nas guitarras e vocais formam os Daiistar, que com este disco “Good Time” serão com certeza uma das bandas rock a ter em conta. Já prometem uma Euro Tour e parece que tudo que esta banda toca atualmente converte-se em ouro, daí claro, concederem uma entrevista à Indieota: “É provável que nos mantenhamos neste caminho que estamos no que toca ao tom. Neste momento eu tenho algumas canções no  bolso e acho que o que acontecer no futuro será maior”.  




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