31 Dec
31Dec

Nascida e criada na cidade de Lisboa, Madalena Veloso é seguramente um dos nomes-chave da nova vaga de designers têxteis ou como lhe chamamos os “fashion freaks” da indústria. Constança Entrudo ou Cláudia Pascoal são só alguns nomes com quem tem colaborado. Vogue Portugal é apenas uma das grandes a mencioná-la. Muda-se para Milão para estudar na NABA - Nuova Accademia di Belle Arti, mas não se deixem levar pelo seu visual esquisitório: Madalena Veloso não é nenhuma naba, e é precisamente por o seu trabalho ser de uma relevância irrefutável ao estudo das mulheres e da importância destas na sociedade; e pelo seu trabalho ser consistentemente eco-aware e obcecado em sustentabilidade que tivemos de conhecer esta personalidade entusiasmante da moda feita em Portugal. 



“A ideia para a minha nova coleção “As Marias” surgiu quando estava a folhear uma série de revistas e livros de cozinha da minha avó. No meio desse arquivo enorme encontrei uma das primeiras edições da “Cozinha Tradicional Portuguesa” da Maria de Lourdes Modesto. Tinha acabado de ler as “Novas Cartas Portuguesas” das três Marias e o livro “Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro” da Susana Moreira Marques que foi guiada pela Maria Lamas e o seu livro “As Mulheres do Meu País”. A ligação deu-se quase que de imediato e inevitavelmente dei por mim a pensar constantemente na ligação da mulher portuguesa à casa, à cozinha, e o papel que as mulheres à minha volta têm na construção do sentido de unidade familiar e no sentimento de casa. 


O título, a coleção, os prints e as silhuetas são uma forma de prestar homenagem a estas 5 Marias que aqui também representam uma identidade feminina coletiva global. É uma reflexão sobre o trabalho pouco reconhecido e valorizado das Mulheres, como mães, donas de casa, empregadas domesticas, avós mas também um reconhecimento das maravilhas que criam apesar dessa opressão. Embora não haja ligação consciente à banda The Marias tenho a certeza que existem pontos comuns entre os dois projetos! 



Quando tinha 11 anos os meus pais ofereceram-me a minha primeira máquina de costura. Até aí tinha especial interesse por moda e passava horas a desenhar coleções temáticas mas sem nunca pensar seriamente numa carreira nesta área. Durante muito tempo não levei a sério a opção de me tornar Designer de Moda porque a indústria em Portugal é pequena e instável. Inscrevi-me no curso de direito e no final do primeiro semestre percebi que não podia não tentar fazer aquilo que gosto”.


“Acabei por me candidatar a faculdades no estrangeiro, mudei-me para Amesterdão e depois para Milão onde acabei por tirar o curso na NABA - Nuova Accademia di Belle Arti. Tirei o curso como Fashion Designer mas trabalho em projetos têxteis não necessariamente ligados à moda ao mesmo tempo por isso posso descrever o meu trabalho como Designer Têxtil. 


A forma como me visto faz parte da criação da minha identidade e sempre fez. É uma forma de me melhor expressar e foi durante muito tempo a maneira que usava para perceber quem eu sou. Em Portugal muitas pessoas acham essa forma arrojada, mas em Berlim ou em Nova Yorque ninguém olha para mim duas vezes. Não acho que o faça de forma consciente para chocar, até porque só choco em alguns sítios. Gosto de pensar que aquilo que visto, por ser pensado, pelo cuidado que tenho com a sustentabilidade e pela maneira que penso as coleções que crio, é uma forma de criar um impacto positivo na indústria. Gostava que a moda se tornasse uma pratica mais consciente e sensível ao seu impacto, para quem a faz e para quem a consome, com especial atenção à sustentabilidade social e ecológica e à representatividade. 



Lisboa foi onde nasci e cresci. Tenho mixed feelings em relação a esta cidade mas também é onde me sinto em casa. Viver fora é extremamente romantizado e para quem foi embora quando tinha 19 anos tornou-se cansativo e solitário muito rapidamente.  Não foi a cidade onde imaginava começar carreira porque a indústria não atraí pequenos designers. O mercado português não é feito para os preços que os pequenos designers praticam mas há vários fatores que nos ajudam a ficar. Há uma indústria têxtil enorme em Portugal que ajuda à produção (com qualidade) das nossas peças, e o  consumidor português tem-se tornado mais consciente das suas escolhas e vê cada vez mais comprar peças de pequenos designers como um investimento. Gosto de pensar que a indústria vai crescer com cada vez mais apoios do Estado e que o nosso trabalho vai ser cada vez mais reconhecido e valorizado. 


Apresentei a minha coleção no final de curso em 2022 em Milão e voltei para Lisboa no final desse ano. Durante o curso fiz um estágio de 10 meses com a Constança Entrudo onde aprendi muito e de onde saí com muita vontade de um dia voltar. Neste momento estou ainda a perceber para onde vou e o que faz sentido para mim e para a minha marca. Por ter estudado fora, quando voltei não conhecia a indústria portuguesa assim tão bem e tem sido desafiador perceber onde me encaixo e como começar. Não tenho previsões de colaborações futuras mas a Constança foi parte importante quando decidi ir estudar para fora e parte crucial no meu desenvolvimento como designer e por isso o sonho será sempre voltar a trabalhar com e para ela. 



O meu trabalho foi sempre muito influenciado pela relação da Mulher com a família, as construções sociais e com a sua imagem e corpo. As peças desta nova coleção “As Marias” foram pensadas para libertar a mulher do desconforto, causado pelo esforço e constrangimento constante do seu corpo, seja imposto pelo parto, por carregar vida e morte, por nutrir e cuidar de recém-nascidos, pela ovulação, liberdade sexual ou pela necessidade de fugir à atenção masculina indesejada, preservando ainda assim a sua feminilidade e individualidade”. 


“Gosto de pensar que, desta forma, por ser sempre influenciada pelo contexto da Mulher em todos os meus trabalhos, consigo deixar um impacto positivo em quem consome a minha marca. Também por ser uma designer pequena, consigo de certa forma controlar a forma sustentável (ecológica e socialmente) como produzo as peças. No meu site (madalenaveloso.com) também encontram alguns trabalhos que faço re-aproveitando peças usadas. É também importante para mim fazer crescer uma marca que tem preocupações e responsabilidades sociais, que entende o seu impacto e a sua capacidade de liderar pelo exemplo e por isso as escolhas de modelos e equipa são sempre conscientes e pensadas, dentro daquilo que a minha pequena escala permite. 


O meu Spotify Wrapped mostrou-me que ouço maioritariamente mulheres (não fiquei surpreendida). Gosto de rap, r&b, bossa nova, funk, pop. Este ano não parei de ouvir o álbum novo da SZA. O álbum “Lost & Found” da Jorja Smith vai estar para sempre on repeat. Mas vou aproveitar para recomendar a música “Viktoriapark” do Alex Keogan (no SoundCloud) que ouço sempre que me sinto ansiosa e que me acalma de todas as vezes. Por talvez ser também das minhas pessoas preferidas no mundo, o Men10 (António Mendes) que lançou um álbum em 2020 chamado “Tea n’ Pasteis” pela Nata da Nata Records, é o meu artista favorito do ano e de todos os anos”. 


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