MEIO PALMO DE TESTA/ 5º EPISÓDIO

Miguel Pinto


Nesta semana, navegamos para território luso. A Rádio Quântica é uma rádio online, criada por Photonz e Violet, dois produtores portugueses, e que serve de plataforma para a divulgação tanto de artistas como de ativistas no panorama underground nacional, resultando em toda uma colaboração de djs, editoras, crews, músicos, da cena musical portuguesa.

No fundo, a plataforma acaba por representar tudo o que de bom se faz em Portugal principalmente no âmbito da música eletrónica, à semelhança por exemplo da londrina NTS, porém, neste caso, geralmente com um cunho político ou social como fundo, preocupando-se principalmente com questões como o feminismo, racismo e homofobia.

Photonz e Violet.

Como amante assumido de música portuguesa que sou, chocou-me como um projeto destes me possa ter passado tão ao lado, visto que só comecei a explorá-lo mais a fundo (conhecia o nome mas nunca me tinha dado ao trabalho de o descobrir) há cerca de um mês.

E o que aqui se faz, poderíamos dizer que é mágico. Num espírito puramente libertário, coletivista e objetivo, sem lugar para publicidade a quaisquer tipo de marcas, e já com uma residência mensal no Lounge, a Quântica vai revelando consecutivamente os produtores mais interessantes do país, desde a mais recente Odete à já afirmada BLEID. Exploremos agora um pouco estes nomes.

Nascida em 1995, Odete é dj, produtora, performer, escritora, artista visual e ativista. Usa a sua própria experiência enquanto mulher transsexual para criar obras desde o techno mais abrasivo a performances queer-feministas (sempre com o ativismo em pano de fundo).

Destaque principal na sua discografia para I’m falling in love and it’s dangerous, um set pesadíssimo que tem tanto de industrial como de r&b, onde podemos ouvir nomes como Bjork ou Sade Emoni, e que consegue ter a capacidade nos derrubar a cada beat que é atirado, em catarse espontaneamente imediata; ou o ep Not Worried with the Production of Evidence, onde há lugar tanto para beats africanos transfigurados num detalhadíssimo footwork (em Love), a paisagens techno de um noise solarengo e contagiante (em They’re An Angel), tudo na política de dança enquanto arma.

Odete.


Bleid é igualmente produtora, porém conta já com uma maior afirmação a nível nacional: com 23 anos é organizadora da festa techno queer Mina, colaboradora regular nas noites da Príncipe Discos e uma criadora inconformada com raízes no techno, drone e derivados, e que já conta com um álbum homónimo lançado pela icónica Labareda.

Aliás, o homónimo de Bleid é, poderíamos afirmar, um dos grandes lançamentos nacionais do ano passado a nível de música eletrónica, pela capacidade indubitável de Bleid em construir ambientes densos e batidas incongruentes, sempre envoltos num negrume inconfundível. Podemos ouvir Dreams of Waking, onde um drone se vai desenrolando para culminar numa luminosa, mas inquietante paisagem sonora, metamorfoseando-se ao longo dos seus mais de 40 minutos, ou Plasma, a faixa que mais se destaca neste homónimo, onde uma batida profunda e negra vai revelando os seus detalhes e pontuações ao longo da faixa.

Bleid.

Para além de Odete e Bleid poderíamos enumerar uma gigante variedade de nomes que a Rádio Quântica ajudou a dar espaço, tanto em termos radiofónicos quanto em concertos, nas noites curadas no Lounge ou no Lux. Fundamentalmente, a plataforma mostra-nos toda uma cena musical que de outra forma nos poderia passar ao lado: é desta proactividade reacionária, em termos culturais, de que verdadeiramente se alimenta um país (ou pelo menos esperemos que assim seja).

Se ainda não a conhecerem, podem já começar a ouvir a Quântica a partir deste link, se já conhecerem ouçam na mesma:

https://www.radioquantica.com/

Até para a semana!