21 Nov
21Nov

Manel Seatra



Quando estão programadas à volta de oito horas de concertos acontece a injustiça de começarem antes do jantar, injustiça para a sala a apresentar-se a menos de meio gás para o primeiro concerto. Os Sun Blossoms entraram a matar e mostraram a fibra do lo-fi à mistura com a musicalidade garage da sua recém-lançada cassete pela Spring Toast Records. Foi um concerto de aquecimento para este terceiro e último dia de Festival que ainda mal começava e já estava a prometer deixar saudades. Sun Blossoms deram um espectáculo sem uma única palavra ao público (e não foi preciso), o carisma partiu do vocalista Alexandre Fernandes que montou um power-trio com André Chaby Mendonça no baixo e Guilherme Canhão na bateria. Um estrondo que soube a trip eficaz e indolor, tanto no reverb como no azedume das cordas da guitarra (entenda-se como comentário elogioso, claro).

Para não se perder o fio aos restantes concertos de qualidade que aí vinham os intervalos começaram a ser cada vez mais reduzidos e a adesão aumentou mais ou menos a meio mas já lá vamos. Antes de mais juntaram-se as incríveis Clementine, a dupla feminina que sabe transformar o baixo em guitarra e vice-versa. O poderio que brotava da bateria e das vozes vorazes fazia em muito lembrar a Kim Gordon nos 90s de glória, “podem chegar-se mais para a frente” e o público lá foi aderindo a este punk sujo dos esgotos lisboetas a lembrar as contemporâneas Pega Monstro.

Sem mais demoras passou-se aos espanhóis Los Wilds, contentes por estar em Évora e Évora contente por recebê-los, a sala começava a estar a meio gás. Duas guitarras, um baixo, uma bateria e está montada a festa para a vibe garage madrilena que promete rock selvático e danças tribais. As madeixas Black Lips estão claramente neste penteado enleado e tropical “somos Los Wilds” repetem e o público aplaude. A empatia está lá e no final há “uns regalitos” em forma de medalhas com “Los Wilds” gravado. Apanhem uma!

Passou-se o testemunho aos já maduros Evols, oriundos de Vila do Conde e também satisfeitos por estarem em Évora. Mostraram-se ecléticos com melodias desde o honey ao prog com maturidade e atitude. Ofereceram um manjar apetitoso de riffs e malhas e ainda um digestivo de voz bem aquecida e colocada. É caso para dizer que é pena a chuva lá fora a impedir os menos aventureiros de visitar o que por ali se passava e é pena alguns bocejos pelo público que falhou na resposta ao talento que se estava a mostrar em palco (Evols – 1, Évora – 0).

Não sei se parou de chover, o que é certo é que de repente a enchente na sala já ia para bem mais de metade da lotação e fez jus ao nome que viria logo a seguir – Alek Rein. Apresenta-se ao serviço de camisa amarela e com malhas descendentes do bom rock estado-unidense. Há espaço para o público vibrar e até o mais tímido dos espectadores viria a, pelo menos, abanar a cabeça em tom de confirmação à qualidade ali mostrada, assim sim! O achigã do Black Bass estaria com certeza alegre se visse o quanto estes senhores deixavam de boa música em palco – Alexandre Rendeiro, o frontman dedicado com o seu ar de rockeiro sereno fez-se acompanhar do baterista Guilherme Canhão e do baixista Alexandre Fernandes (ambos já tinham actuado no início do festival por Sun Blossoms). “Brilhante” ou “amazing” eram expressões que facilmente se retirariam do público maioritariamente jovem absorto na musicalidade segura e orgânica que ecoou nas paredes da sala de espectáculos do SOIR JAA. O recém-lançado Mirror Lane foi bem representado e a assistência pedia bem mais só que o rock também tem horas marcadas e seguiam-se os portuenses Fugly.

Pertencentes ao colectivo Cão da Garagem, os Fugly provocaram um tufão logo a partir do soundcheck. A simpatia e o à vontade foram dois pontos a favor, mas o melhor mesmo foi o punk puro e duro que trouxeram da invicta, sem medos atiraram-se de cabeça (literalmente, na direcção do crowdsurf no caso do frontman Feio). Em Évora há-de ser tudo em ponto de média ou pequena dimensão mas isso não significa que será de inferior qualidade e isso foi-nos provado pelas manifestações de mosh ou de crowdsurf que surgiram na inquietude mas inabalável dos “gajos do Porto”. Sala cheia para os ouvir e sala cheia para os repetir porque ninguém queria que se fossem embora. Ainda estão verdes em termos de visibilidade no panorama musical nacional mas é questão de lhes dar um álbum e uns meses e estes miúdos crescem bem!

Com o suor e o calor dá para uns 5 minutinhos de idas a arejar enquanto Qer Dier fazem os seus preparos de afinações e soundcheck. A entrada para um experimentalismo noise provoca a assistência já de olhos fechados, se bem que os efeitos visuais a acompanhar valem a pena e fazer da viagem um batalhão de fluidez nos sentidos. O audiovisual é amigo dos Qer Dier e eles sabem, o maestro João Farmhouse (guitarra / voz) vai coordenando as tropas ao lado da colega de Mighty Sands, Teresa Castro (baixo), do “galgo” Alexandre Moniz (bateria), Daniel Sällberg (teclas / guitarra) e Vera Isder (flauta / teclas / voz). Houve direito a uma entrada “de surra” de André Chaby Mendonça (também colega em Mighty Sands) a agitar shakers junto à bateria.

O sabor agridoce de se estar a galopar para o último concerto faz sentir aquele nó na garganta de uma nostalgia antecipada mas a vida é assim mesmo e saltam para o palco os distintos Quelle Dead Gazelle. Se houve concerto a incendiar o palco foi o deste power-duo, a vontade de tocar supera a de falar e a meio do concerto “é a última vez que vou falar, se quiséssemos falar cantávamos e não é isso que fazemos”. A dupla Miguel Abelaria (bateria) e Pedro Ferreira (guitarra) iam deixando bocas abertas, olhos arregalados e gargantas em sentido para os típicos “yeah” e “woo uh!”. O bombo dançante ia-se desviando aos poucos do percurso e às vezes o rock também será feito de palcos desnivelados. A estrutura instrumental cheia de pedais e variações no ponto fez maravilhas e que excelente maneira de terminar o festival e esta reportagem.

Eu já não tinha estofo mas houve alguns passarinhos a contar-me que o povo ainda se dirigiu à icónica discoteca Praxis para A Boy Named Sue (um djset de Coimbra para aquecer a pista) e, logo de seguida, o realizador Eduardo Morais (que, no âmbito do festival, teve os seus documentários a passar no Auditório Soror Mariana nos dias 18 e 19) vestiu a pele de Dj em conjunto com o seu “pseudónimo” Nunchuck.

Foi um prazer enorme, até breve Évora, até breve Pointlist! Foram horas e horas de concertos que fizeram ver que a cultura é possível em todo o lado se houver vontade e gente a apoiar.

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