19 Nov
19Nov

Filipe Sambado, à partida ia-nos oferecer uma experiência premium daquilo que pudemos ouvir em "Três Anos de Escorpião em Touro", um disco que só podia ser confecionado da maneira que foi, tempestuosamente após tempos atribulados e de alguma incerteza para a música. Sambado pega nessas incertezas, rói-as de forma a dissonarem umas com as outras, originando versos de uma louca dicotomia em busca de validar um bilhete de estacionamento psíquico, sem dar demasiada importância ao tempo em que estaciona. Só podíamos prever um espectáculo cinzento em ambiente, catastrófico em beleza descomunal que é a sua arte e majestoso em vívidas sensações sensoreais de som para o ouvido. Tudo isto saído de uma guitarra, um synth e uma bateria, ao que Aurora distorcia os três a seu bel prazer, moldando-as de forma a encaixarem no seu tom de voz ora catártico, ora solto e suportivo.


Fotografia de Ana Viotti / Ao Sul do Mundo


 Todas estas canções de Filipe Sambado soavam mesmo a clássicos acabados de sair de uma gaveta repleta deles, e ao lado dos produtores deste disco, Bejaflor e Rodrigo Castaño (mais conhecido por Rodas), tivemos o grande prazer de testemunhar aquilo que foi mais que uma noite de consagração para a cantora Sambado, mas sim um manjar refinado ao mais ínfimo pormenor, onde até nos momentos a preto e branco, como nas consequentes vozes a submergirem na mix, conseguia dar cor e luz como se estas fossem apenas suas. "Caderninho" cantada de lé a lé... "Talha Dourada" entoada num Lux francamente povoado de gente, para não dizer lotado; "Gajos/Laranjas" interpretada como se de um anúncio para a Coca Cola se tratasse...



 Uma equipa, quer dizer, banda de Sambado cada vez mais coesa e cada vez mais treinada para satisfazer não os caprichos de alguém mas sim da própria música... Chinaskee a soltar-se cada vez mais e a tornar-se numa espinha dorsal muito importante para a técnica e pra criatividade de Sambado em palco; Um baixo de Vera personalizado para cada momento específico em termos de melodia, como nas canções “Mania” ou “Mau Olhado”, o que claro significa que há espaço para mais arranjos no departamento dos graves...



 "Três Anos de Escorpião em Touro" é um álbum que muitos artistas demoram anos a conseguir. É uma verdadeira obra prima conceptual que traduz muito daquilo que tem sido o percurso de Sambado na música: provocante, arrojada, diferenciada. Se podia ou não esgotar o esforço de Sambado e aumentar ainda mais o cansaço para escrever canções, não o fez, pois o tipo de escrituras feitas em por exemplo canções como "Hybris" são do tipo de escrituras que apenas uma escritora genial conseguiria escrever, daquelas que saem apenas do coração para a caneta. De onde veio este mojo ou esta inspiração, não saberemos, mas que coloca Sambado num patamar inatingível, sim, mas não maior que a expetativa ou ambição (in)existente... Apenas quase do tamanho do amor que experimenta em querer escrever e compor mais canções que possam entrosar bem com um estado de espírito que não é instável ou desequilibrado, apenas ansioso e criativo. Bipolar em brainstormings, saudável na semântica. Encontram-na num sítio delicioso estas canções e é um verdadeiro prazer encontrá-la ali, nesse mesmo sítio, cada vez melhor.


 

Fotografia Ana Viotti / Ao Sul do Mundo
Comentários
* O e-mail não será publicado no site.