30 Sep
30Sep

Catarina Soares

Luís Teixeira


Vimos o Pedro Ferreira, guitarrista dos Quelle Dead Gazelle, perto da Pink Street, essa boémia passadeira de bares notórios do velho Sodré. Falou-se da entrevista que nos concedeu recentemente (ver aqui), do ritmo da tour e sobre o “Maus Lençóis”, o disco que o grupo editou este ano e pelo qual aguardamos mui nobre cópia física.

A passo lento e leve, lá nos dirigimos para o Musicbox. À porta encontrámos os Galgo, acompanhados de Alex Chinaskee e alguns amigos. “Estou nervoso”, confessa João Figueiras, o baixista do quarteto de Oeiras. Nem o João nem ninguém teve a habilidade de prever a dimensão do que iria acontecer naquela noite de quinta-feira.

Quelle Dead Gazelle tocam um pós-rock selvagem e ascendente, Pedro toca com Miguel Abelaira e todos fazem parte da família feliz que é a HAUS, com ensaios no Sol e Pesca. A casa enchia enquanto os Gazelle, de costas crentes, debruçavam-se competentemente nos temas de “Maus Lençóis”. Com “Burundi”, “Abismo” ou “Pedra Gomes”, foi possível sentir uma certa correspondência por parte do público que, na sua trip individual, conduzia vagarosamente o corpo ao som de um feitiço aéreo. A hipnose natural foi fruto de um rock experimental e de uma bateria que, pelo meio dos introspetivos temas instrumentais, desobedecia propositadamente a guitarra e saudava os ritmos africanos. O jogo de luzes manteve-se sublime e coerente à história dramática que os instrumentos narravam, um piscar frenético de feixes brancos refletidos no palco.


Já no intervalo, os fãs de Galgo revelaram a natureza possessiva e altamente protetora. Antes do espetáculo, ocuparam as linhas da frente do “fosso” que separa os alto palco dos corpos que já sentiam o aperto de uma energia comum. Alguns, amigos da banda, outros, amigos da arte. A distinção entre estes era complicada, porém foi perceptível que tanto uns como outros sentiram a ansiedade dos Galgo a calcar o palcos do Box e apoiaram a banda com gritos de empoderamento. O intervalo serviu para beber os finos, rever os amigos e atirar os bitaites (sempre com muito humor). Não houve escapatória para o clamor “Toquem Xutos”, o clássico pedido da praxe.

Como amor com amor se paga, os Galgo deram-nos “Balanço” para cerca de uma hora de uma energia estonteante, inesquecível e marcante ao ponto de causar depressão pós-concerto. A banda reuniu as condições necessárias e a dedicação humilde para reescrever a história e transcendendo as memórias faturadas no Indie fest. No entanto, não ouvimos só Rock... O concerto de Galgo foi uma pura demonstração de pica-rock, termos inventados pelos mesmos para descrever o seu som peculiar, esquizofrénico e hiperativo, pró-ativo e contagioso. Se pensar faz mesmo emagrecer então a partir de hoje estamos cheios, aqui as guitarras não são anoréticas e as baterias não sofrem de bulimia. É que o som de Galgo traz peso! Aquele peso de um lutador de sumo que rebenta a escala das balanças. Começando as hostilidades com “Balanço” o público desde cedo começou a responder aos avanços da banda. Esses fãs possessivos cedo passaram para segundo plano e deram lugar a um novo grupo de fãs devotos que sabiam cada letra, cada acorde, cada batuque de cor. Tanto transitámos facilmente de headbangs para um verdadeiro baile de afro-rock em que os que realmente se embrenharam na música se entreolhavam com um sorriso no rosto. Com “Monte Real” começam os crowd surfs e aí os fãs possessivos começam a contra-atacar com caras inconformadas e insatisfeitas pela atitude arruaceira dos moshers. Não queriam mosh? Não queriam empurrões ou crowd surfs? Não viessem a um concerto. Nas sábias palavras de Gordon Ramsay: “If You can’t handle the heat, get out of the kitchen!”. Isto é Rock, não é um concerto de tributo aos Evanescence. Há direito a ombros a carregar o peso das amizades, braços a segurar peles suadas de desconhecidos e garrafas de água a serem desperdiçadas por um bem comum. Tudo porque é ali que esquecemos quem somos para encarnarmos o que realmente ansiamos ser. Faz parte.

Continuando a majestosa cavalgada a banda continua a revisitar “EP5”, raízes que colocam  Galgo no mapa. Isso e a sua performance no Vodafone BandScout do ano passado. “Tokutum”, “Sabine” “Pivot”, tudo tocado de forma exímia e sincronizada. Sempre a comunicar por telepatia, Figueiras e Joana (os dois elementos rítmicos) não paravam de olhar um para o outro. Alex era o puro mestre de cerimónias, o homem do leme… Sempre muito grato e orgulhoso, diante de um Musicbox que fez cosplay de lata de sardinhas (coisa que não acontecia desde Mac DeMarco ou PISTA).

“Trauma de Lagartixa”, “Torre de Babel” ou “Dromomania” foram outros cânticos que esses verdadeiros fãs devotos sabiam de cor. Já os posers souberam gritar “Skela” de cor e salteado e capricharam nessa tarefa. É que  “Skela” foi a palavra mais gritada da noite. A banda puxou pelo público e eles reagiram com mais gritos, empurrões… Um autêntico festim! A banda despede-se, mas volta para tocar “Skela” novamente, depois de um pedido de Encore exaustivo. Se antes testemunhámos Martim (vocalista) com um olhar disperso, inocente e difuso, foi na despedida que libertou o corpo e fez da audiência o chão. De regresso ao palco e a abanar a anca, cantou-nos de costas voltadas e com a ginga confiante de quem fez um bom trabalho.

No final do concerto encontrámos alguns rostos conhecidos: o João Farmhouse (MightySands), Fábio Costa (Dj Quesadilla), João Simões e António Reis (Grand Sun), Inês Vieira (Curly Mess), Alexzandra (Watch and Listen) e Gonçalo Morgado (Side Stage Collective). Ouviu-se dizer, até, que o Zé Pedro esteve no backstage. Brincadeiras à parte, podemos afirmar que tivemos a honra de respirar união numa festa privada onde todos estavam convidados. Pensar faz emagrecer e não é preciso pensar muito… Os Galgo vão inspirar gerações.

Fotografias: Rita Cuña

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