Catarina Soares
Um ano volvido da última vez que escrevi sobre o Reverence, é agora que novamente traço um apanhado subtil de memórias relativas aos três dias de azáfama no Ribatejo. Embora pouco mediatizada, esta celebração é a Meca para devotos da arte elétrica do psych e stoner alternativos. Porém, o passe geral desta edição permitiu uma viagem completa no tempo para uns 80’s inquietos e inconformados, um tempo áureo onde os sintetizadores eram a água benta transversal a sonoridades como o post-punk, shoegaze e space rock. A terceira edição do festival criado por Nick Allport também caprichou na valorização dos talentos nacionais com o Indiegente, um novo palco onde os rasgos sonoros se ouviram à sombra das árvores e ao redor das mesas de merenda. Verificou-se, assim, uma agradável adesão a esta aposta que provavelmente irá manter-se para o próximo ano. De frisar que o apogeu no Indiegente registou-se durante o concerto de Fast Eddie Nelson, quando um Nelson Oliveira sóbrio admitiu, com humor, o seu desconforto com a abstinência alcoólica. Tudo isto antes de um espetáculo que contagiou uma enchente de diferentes gerações rendidas ao clássico rock’n’roll e ao blues.
A disposição do recinto sofreu, igualmente, algumas mudanças. Prestou-se o culto em três palcos porém constatou-se uma inexistência de um palco principal (descansa em paz, palco Reverence). Como tal, os horários das atuações foram organizados de uma maneira mais ponderada, o que aliviou o FOMO dos amantes de música e dos mongos das grades. Mesmo assim, aqui ficam registadas as memórias de alguns dos concertos que tive a oportunidade de viver mais intensamente. Com nenhum palco como protagonista e uma distribuição equitativa dos cabeças de cartaz, o maior aglomerado gerou mais calor humano. Os mosquitos agradeceram esta dádiva.
Antes de marcarem presença no Indieota FESTAval, os The Sunflowers assumiram controlo da viagem intergalática à procura do cowboy vermelho. “The Intergalactic Guide To Find The Red Cowboy”, o primeiro álbum de estúdio dos portuenses, tem data de lançamento prevista para dia 23 de setembro. No primeiro dia, às 20h30, a Carol e o Carlos deram tudo perante um público um tanto ou quanto apático. “The Witch” foi o começo da viagem onde algures Carol pragueja contra a guitarra cor de rosa. Com um girassol no suporte do microfone, Carlos vociferava ao som de uma bateria frenética a despoletar o punk e das cordas selvagens do surf rock dos 60’s. O caos organizado que produzem tem o poder de transportar cada elemento do público para um filme western onde se disparam pizzas, em vez de balas. Após o hino da preguiça “Charlie don’t surf”, segue-se a arruaçeira e livre “Hasta La Pizza/ Rest in Pepperoni”, a primeira malha que arrecada uma reação mais efusiva por parte do público. No entanto, o momento alto da atuação foi em “Zombie”, quando o baixo é domado pela participação especial de Fred (800 Gondomar). A despedida foi feita ao som de uma cover de “I Wanna be your Dog” dos The Stooges. O final contemplou a destruição da guitarra com a qual Carol se debatia e com Carlos na bateria. Foram quase 40 minutos de uma atuação que deveria ter tido mais tempo, tal foi a parca digestão da euforia.
Os franceses Blaak Heat enfeitiçaram uma audiência mais apertada com uma descarga de stoner embebida em influências sonoras retiradas do Oriente. Exotismo, sensualidade e magnetismo são palavras de ordem para caraterizar a esperiência espiritual que esta banda garante. Em Valada apresentaram “Shifting Mirrors”, o trabalho mais recente de uma prole composta por quatro álbuns. Surpreendentes, a banda explorou um alinhamento que puxou para um rock que poderia ser dançável de modo serpenteante.
Depois da uma da manhã, fez-se festa com a poeira e nem foi necessária a presença da Ivete sangalo. Foi durante todo o concerto dos aclamados Thee Oh Sees que finalmente foi posta em prática a arte sacra do mosh e do crowdsurfing. Uma enchente de gente aguardou testemunhar a banda de S. Francisco, que explorou os seus vários álbuns de estúdio começando com a loucura de “The Dream” e terminando com a malha “Contraption/Soul Desert”. Ainda houve tempo para apresentar alguns temas do mais recente e ofuscado trabalho, “A Weird Exists”. Dywer (guitarra), em palco, transforma-se numa eterna criança com A.D.D. que se sintoniza o seu psych/fuzz com a coordenação das duas potentes baterias. Os Thee Oh Sees já foram conquistados pela tradição (ou serão eles banda de tradição para os próximos festivais?) e mostraram o seu amor por Portugal com um bombo coberto com a ilustração de um galo de Barcelos. Representam a palhaçada, a energia pulsante, a força de viver no rasgar de uma guitarra. Acabámos em pó, que é da mesma forma que sairemos deste mundo.